Verão, Outono e Primavera, os três
observavam em meio às árvores esperando por alguma coisa.
–
Que droga! – resmungou Outono – Se Inverno estivesse aqui, já teríamos
conseguido.
–
Eu não sei por que ainda me espanto com o quão machista você pode ser, Outono –
reclamou Verão, a única garota do grupo.
–
Não sou machista. Estamos no século XXI e vocês mulheres já se mostraram muito
competentes para algumas coisas.
–
Isso é ser machista – alertou Primavera.
–
Ah, fica quieto, você gosta de flores.
–
E qual o problema nisso? As flores têm grande importância para a vida.
–
Calem as bocas!, vamos acabar perdendo o aviso – brigou Verão. – Primavera, ela
já deu o sinal?
–
Ainda não, mas vou perguntar outra vez – e os olhos de Primavera, um rapaz com
fortes traços indígenas e cabelos compridos, assim como Outono e Verão,
ganharam um brilho diferente e o jovem pareceu entrar em uma espécie de transe.
Enquanto
isso, dentro da casa de Lilith, ou Lívia, como era conhecida no pequeno
vilarejo em Pucón, onde morava há alguns anos, uma pequena esquila a observava
por entre um esconderijo e outro que encontrava em meio à mobília.
“Alguma
novidade?”, Primavera perguntou em meio aos pensamentos da roedora.
“Ainda
não (quick). Ela está (quick) fazendo alguma humanidade que não entendo (quick)”,
respondeu a esquila que via curiosa Lilith correndo em uma máquina estranha que
não a permitia sair do lugar.
“Está
demorando demais”, reclamou Primavera.
“E
o que você quer que eu faça (quick)? Era para eu estar (quick) me preparando
para dormir. Vou perder o inverno inteiro aqui (quick) e espero não congelar
(quick), voltando para a minha árvore.”
“Não
precisa se preocupar com isso. Já te disse várias vezes”, Primavera se irritou
e, do lado de fora da casa, virou para os companheiros: – Ela ainda está
acordada.
Por
mais que já estivessem cansados, o trio não tinha outra opção a não ser esperar
e esperaram por ainda longos minutos que se prolongaram por longos outros
minutos e quem sabe horas.
“Ela
tem espuma na boca (quick). Está alisando (quick) as presas”, avisou a esquila
de repente para Primavera, parecendo aflita.
–
Rápido! – Primavera quase gritou em um sobressalto. – Ela está indo dormir.
Primavera,
Verão e Outono, se desembrenharam das árvores que os escondiam e se puseram a
caminho da casa. Como combinado, a esquilinha comunicou assim que Lilith
dormira e saiu por uma fresta da porta da cozinha que dava para as árvores ao
fundo. Na mesma hora em que a pequena roedora saiu, Verão iluminou com leves,
mas calorosos, raios de sol para proteger a espiã do frio da noite quase invernal.
“Obrigada,
Qüiczzar”, agradeceu Primavera quando a esquila passou por eles. “Não vou me
esquecer do seu pagamento.” e sorriu satisfeito.
“Espero
(quick) mesmo,” retrucou com um mexer do focinho “e se (quick) vier com nozes
pequenas, nem adianta (quick) me pedir outro favor (quick)!”, e com o levantar
presunçoso da cauda, correu até a árvore em que morava e a escalou depressa.
–
Rum... não se fazem mais animais como antigamente. Há alguns séculos era uma
honra realizar uma tarefa ao deus Primavera, agora, eles estão assim – comentou
com os outros dois que, apesar de não terem participado da conversa telepática
entre criador e criatura, sabiam que Qüiczzar era uma rebelde incorrigível.
–
Não ligue, irmão. Certamente é culpa da internet – Outono tentou se
solidarizar, ao que o outro assentiu.
Os
três caminharam então até a porta, que logicamente acabara de ser trancada.
Contudo, Outono se aproximou da fechadura e soprou um ventinho obediente que
logo destrancou a passagem.
O mesmo vento pegou a
caixa que Tempo mandara à filha e a levou pela casa até chegar à mesa de
cabeceira ao lado da cama de Lilith. Abriu a tampa e, junto da areia dourada
que a caixa guardava, o vento começou uma dança suave e bonita. Rodopiavam pela
mesinha de cabeceira, e em seguida pela colcha de retalhos coloridos e alegres
com que a moça se aquecia naquela noite fria que precedia o inverno. Para um
lado e para o outro, unindo-se em um só, formando um pequeno redemoinho
dourado. E foram indo até chegarem ao rosto da moça que, adormecida, não fazia
ideia do que acontecia. E então, ao chegarem, a areia entrou pela boca entreaberta
que suspirava um sono inocente para assim formar os sonhos de uma jovem bruxa.
Lilith caminhava aos
pés em neve do vulcão há anos seu vizinho. Villarica era majestoso e fazia com
que a bruxa se sentisse confortável, mais conectada à natureza. Subia descalça
e sentia os dedos dos pés rígidos pela neve branca. Podia jurar que seus
poderes, há tanto tempo adormecidos, pareciam despertar, mas de forma tão dócil
e amigável, que seu coração bateu feliz. A moça se agachou e passou a mão pela
rocha de Villarica, de forma a acariciar não só o vulcão, mas a natureza.
“Eu
não quero sair daqui nunca, Rucapillán”, falou com seu coração ao espírito que
ali morava e começava a surgir a sua frente.
“Mas
você não poderá ficar aqui, Filha de Cronos.”, Rucapillán avisou. Era como um
espírito indígena cuja fisionomia parecia sempre mudar.
“Não
me chame assim, por favor. Gostaria de esquecer.”
“Nós
nunca podemos fugir do que somos. Está ligado ao nosso destino. Não se esqueça
disso nunca, Filha de Cronos.” disse o espírito indo embora, caminhando para o
nada.
“Rucapillán,
por favor, não me deixe sozinha. Por favor! Eu não quero ter que ir. Me deixe
ficar!”, implorou a moça correndo para o amigo que logo sumiu.
Mas
quando Lilith ia voltar a chamar por Rucapillán, o vulcão, para quem estava
agora de costas, explodiu em lavas e muita fumaça. A erupção expeliu uma
enxurrada de magma que veio na direção da bruxa. Lili começou a correr, há
séculos se recusava a usar seus poderes, ou Tempo logo a acharia. Corria e
corria, descendo a montanha, contudo, por onde ia, aquela mistura de terra e
fogo a perseguia, como se a quisesse alcançar. Então, o chão começou a abrir
pequenas fissuras, de onde raízes saíam vorazes e tentavam segurar os seus pés.
Evitou a primeira, a segunda, até a terceira, mas em algum momento, uma das raízes
como um forte tentáculo se enroscou no tornozelo esquerdo e a prendeu. Lilith
caiu e antes que pudesse tentar se soltar, um braço depois o outro foram
amarrados ao chão pela planta, se assim podia chamar. E por fim, a perna
esquerda.
A
lava então alcançou a bruxa e, formando uma onda viva de magma, se atirou sobre
ela, que apenas fechou os olhos o mais apertado que podia. Segundos se
passaram, e ao abrir os olhos, Lilith se viu envolta não pela terra
incandescente, mas por um campo de força que se monstrava indestrutível.
E a bruxa chorou.
Chorou não por causa
da lava e das raízes. Não por causa do susto e de toda adrenalina. Nada daquilo
a amedrontava. A lava começou a voltar ao vulcão e as raízes a soltaram. Foi quando
ela viu o que a fazia fugir tanto. Viu o que a aterrorizava. Ela o viu.
No topo do Villarrica,
ele a encarava. A olhava e começava a vir na direção da moça.
“Finalmente” a voz
dele dizia dentro da cabeça de Lilith. “Depois de tantos anos eu finalmente te
encontrei, Filha de Cronos...”, a voz continuou enquanto ele se aproximava.
– ... minha filha –
sorriu Tempo.
Lilith acordou.
Sentia o corpo
formigar e a cabeça doer. E ao olhar ao redor, todos os móveis do quarto
flutuavam, inclusive a cama em que dormia e, no ar, uma mensagem pairava:
Espero
por você. Tempo.
Morte observava o céu
do pôr do sol que se emaranhava às folhas das árvores da floresta ao redor de
seu pequeno castelo. Sentia a cada segundo alma por alma que a fortalecia e
alimentava. Mas, principalmente, aguardava o carro que vinha agora pela estrada
de terra. O One-77 branco parou impecável, sem qualquer sinal de poeira até
mesmo em suas rodas.
Um homem alto e ruivo,
com um perfeito terno alinhado, assim como os cabelos e a barba, desembarcou em
seu Vanquish II em kirgzy cinza-escuro feito sob medida. Os olhos azuis eram
perfeitos. Tudo era perfeito.
– Por isso gosto de te
esperar. A sua beleza é quase uma obra de arte – sorriu Morte.
– E a minha pontualidade.
A mulher apenas
sorriu. Era verdade. Tudo em Caos era infinitamente perfeito. Nem mesmo um pelo
de sua sobrancelha ficava em desalinho.
– Acredito que já
saiba das novidades – Morte falou mansa, quase não dava para ouvir sua voz doce
e hipnotizante.
– Os meus ouvidos
estão por toda parte, ainda que Tempo tente manter segredos de mim.
– Vamos dar uma volta
– convidou a mulher.
Os dois foram
caminhando em torno do lago e pararam em um deque circular que se estendia por
cima da água. Caos tirou do bolso um pedaço de pão e começou a jogar aos patos.
– A única questão que
me parece tão inacreditável é o fato de Lilith ter vivido por tantos anos se
escondendo de todos nós – o deus confessou.
– Parece que ela sabe
viver como uma perfeita e estúpida mortal – sibilou Morte.
– Sempre a achei
inacreditável – suspirou. – Pena que Tempo nunca me aceitou em sua família.
– Imagino que família
vocês formariam – Morte quis gargalhar com o pensamento. – Ainda que Lilith
seja filha dele, ela nunca será uma de nós. Independente dos planos que o velho
tenha para a bruxinha. Sua mãe tinha um sangue vermelho e latente.
– Mas o de Lili não é
assim. O sangue dela se parece muito mais com o nosso do que com o de Morgana,
caso você não se lembre – e saiu caminhando de volta ao castelo e ao carro.
– Não me diga que
desistiu da sua profecia?
– Tenho coisas mais
urgentes para fazer.
– Pensei que nossa
característica principal fosse a onipresença.
– Há coisas – e parou
para encarar Morte de longe – a que devemos nos dedicar inteiramente.
– Claro que sim –
concordou com ironia. – Mande lembranças a Lilith.
– Acho que minha
esposa não vai acreditar no seu sentimentalismo.
– Se ela acreditou no
seu, o meu irá fazer a sua bruxinha chorar de saudades – e mandou um beijo no
ar. – E não esqueça as flores.
Caos
assentiu e, voltando ao seu caminho, fez um lindo buquê de flores silvestres
surgirem em suas mãos. E depois de tantos anos, o deus sentiu o que lhe parecia
uma lendária emoção. Uma emoção que nem mesmo acreditava que era possível
voltar a ter. Sentiu alegria. Depois, ainda mais raro, sentiu amor. Então,
jogou fora o pedaço de pão restante que caiu cinza e coberto de mofo.
Morte
acompanhou Caos com os olhos aproveitando o prazer daquela visão e, ao se
voltar para o lago, percebeu os patos se debatendo na água até sufocarem e
caírem todos sem vida.
–
Pena que não gosto de patos – suspirou a deusa.
–
Será que ela morreu?
–
É claro que não, Primavera. Se tivesse, Morte com certeza nos acompanharia –
explicou Verão.
–
Mas ela não está se mexendo – atestou ao cutucá-la com uma vareta qualquer como
se Lilith fosse um animal peçonhento. – Além disso, Morte nem sempre se mostra
quando busca alguém.
–
Ah, mas você acha que ela perderia a chance de se vangloriar com Tempo? Não
lembra como Morte se comportou quando foi a vez de Morgana? – lembrou Outono
que, do lado de fora, comandava as rédeas da carruagem celestial emprestada por
Tempo.
–
Você podia prestar atenção ao seu trabalho!! – criticou Primavera.
Os
três tinham posto Lilith enrolada em sua grossa colcha de retalhos coloridos
deitada no banco confortável e bem protegida do frio. Afinal, sendo metade
mortal, o frio da noite que predizia o inverno em meio ao céu com flocos de
neve poderia congelar a filha do rei.
–
De qualquer forma, – começou Verão – é bom que ela não esteja morta, ou Cronos
achará outra forma de levar equilíbrio ao mundo, porque ele vai... quero nem
imaginar o que vai fazer com a gente.
–
UÉ, O QUE MAIS EU PODERIA FAZER?? – gritou Primavera desesperado. – Se ela
tivesse cooperado, eu não precisaria ter feito ela desmaiar.
–
Mas não tinha outro jeito? Picadas de cobra são perigosas – questionou o
condutor, Outono.
– Mas eu num já falei para você prestar
atenção ao seu trabalho??!! – irritou-se Primavera. – E além disso, a Cauda
Longa era a que estava disponível, já que estava tão famintamente interessada
em Qüiczzar. E também o veneno dela não é tão venenoso assim. É uma serpente
muito elegante se querem vocês dois saber. E eu gosto dela – defendeu Primavera
verificando o pulso de Lilith. – ELA ESTÁ VIVAAAA!!! – gritou comemorando sua
própria salvação e dos irmãos.
–
ELA ESTÁ VIVA!!! – gritou em concordância Verão se ajoelhando e juntando as
mãos como se agradecendo em oração, desespero e alívio. Principalmente, alívio.
Lilith
começou a se mexer. Lentamente e aos poucos foi abrindo os olhos. E então
sentiu frio e viu Verão e Primavera a olharem tão próximos, como se ela fosse
um animal exótico em observação, que se assustou.
– AAH! – gritou, fazendo os outros dois
saltarem para trás. – O que vocês fizeram comigo? Onde eu estou? Para onde
estão me levando? Isso é coisa do Tempo, não é? O que que aquele velho quer...
–
Calma, Lilith... nos desculpe, por favor – Verão interrompeu a torrente de
perguntas que com certeza ainda seria seguida por muitos outros
questionamentos. – Sim, foi Tempo quem nos mandou te buscar.
–
E por que ele mesmo não veio? Está ficando covarde também?
–
Não, não foi isso – começou a garota de traços indígenas. – Ele só não queria
te assustar. Ele quer se reaproximar de você.
–
SE REAPROXIMAR? COMO? Me mandando um sonho terrível, ordenando que me
sequestrem... ELE ENLOUQUECEU!!! – esbravejou se enrolando cada vez mais na
coberta de retalhos.
–
Bem, essa questão do sequestro já foi ideia de outras pessoas, não é mesmo,
irmão? – Verão olhou Primavera que ria sem graça.
–
Mas ela disse que não viria com a gente e Tempo foi bem incisivo ao exigir que
a gente apenas voltasse com a encomenda – defendeu-se entre os dentes com
cochichos e olhos arregalados para a irmã.
–
Mas você não precisava mandar a Cauda Longa mordê-la – censurou Verão.
–
O QUÊ??? UMA SERPENTE ME MORDEU?? – berrou Lilith.
–
É... é... – gagejou Primavera. – Então...
Os
punhos da bruxa se fecharam e a carruagem sacudiu no ar gélido da noite.
–
Eu quero uma explicação! – exigiu.
A
carruagem sacudiu com mais força fazendo os três caírem um sobre o outro.
–
Já entendemos, mas não precisa nos matar, filha de Cronos – falou Verão
tentando se levantar quando o coche sacudiu pela terceira ver, agora com mais
violência que das outras duas vezes.
–
Mas eu não fiz ...
–
NÃÃÃÃO!! – um grito estrondoso silenciou a discussão dentro do carro. Os três
se entreolharam. Era Outono. – Se segurem aí dentro!! – ordenou lá de fora.
–
O que está havendo? – Primavera abriu a portinhola que dava para o lado externo
e apenas conseguiu ver que os cavalos de nuvens guiados pelo irmão pareciam
fugir de alguma coisa.
A
carruagem voava acima das nuvens, mas, ainda assim, uma chuva de raios vindos
de baixo parecia tentar acertar principalmente os cavalos que puxavam o coche.
Outono fazia com que subissem e descessem, desviassem e parassem para evitar os
raios violentos. Contudo, quanto mais fugia, mais deles pareciam surgir até
estarem praticamente sem saída. Um emaranhado de clarões iluminava o céu e
certamente surpreendia a comunidade científica que tentaria explicar da forma
mais racional possível aquele fenômeno “natural”.
–
O que está acontecendo, irmão? – Primavera repetiu, saindo agarrado ao carro
até chegar a Outono e se sentar ao seu lado – Uma tempestade de raios? Isso não
faz sentido.
–
Para mim, aquilo é que não faz sentido – disse Outono indicando o que via à frente.
A
uns quatrocentos metros de distância, em meio ao céu da noite, um redemoinho de
nuvens se ergueu, provocando uma ventania voraz, que parecia sugar a carruagem.
Outono tentou guiar os cavalos para fazerem a volta, mas por mais que se
esforçasse, o vendaval se mostrava de uma potência infinitamente maior.
–
Primavera, às rédeas – comandou e subiu no teto do coche.
O
vento era exatamente o elemento sobre o qual Outono tinha o maior domínio,
logo, se alguém podia controlar um vendaval, era ele mesmo. E foi o que fez. Ou
melhor, o que tentou fazer.
Usando
todo o poder que tinha em si, Outono juntou as mãos e fechou os olhos. Quando
os voltou a abrir, estavam completamente enevoados e, com gestos fortes e precisos,
Outono levitou enquanto Primavera tentava fugir com a carruagem que levava
Verão e Lilith. Em meio ao céu e encarando o redemoinho, que agora já mais
parecia um tornado cujo objetivo era se tornar um furacão, o deus indígena iniciou
uma dança de movimentos circulares, como se prendesse uma grande quantidade de
ar em seus braços. Contudo, o vento permanecia forte, inexorável, como se outra
pessoa o comandasse. E Outono continuava, os movimentos mais fortes e de sua
boca saíam palavras de ordem para controlar o vento. Diferentes palavras de comando
de línguas indígenas diferentes, cada uma delas.
Após muito esforço, o
tornado diminuiu e a ventania amenizou, e os olhos de Outono voltaram ao
normal. “Excelente”, pensou satisfeito, pois, por mais que ainda ventasse, não
era nada que representasse perigo. Primavera, ao perceber que o irmão tinha
conseguido, parou a carruagem para o esperar. Pôs o carro de lado e ficou
observando o irmão vindo em sua direção, correndo em meio à noite fria de
inverno. Lilith então abriu a porta da carruagem.
– Está tudo bem agora?
Mas antes que pudesse
responder, o jovem deus viu, então, no mesmo lugar em que o tornado estava
minutos atrás, um homem surgir. Um homem que há muitos séculos Primavera não
via. Caos.
– OUTOONO!!
CUIDAAADO!!
Primavera gritou,
apontando para o que quer que estivesse às costas de Outono, que ao se virar e
ver Caos, sentiu o perigo iminente envolver a si mesmo.
Lilith olhou assustada
para onde parecia estar a ameaça. Mesmo após tantos anos, mesmo em meio ao céu
escuro e mesmo com a distância que os separava, a bruxa viu e reconheceu aquele
que um dia havia sido seu marido. E sabia que ele a tinha visto.
Caos logo identificou
a esposa. Jamais a confundiria. Ela era assim, era única. O deus ergueu os
braços e, no mesmo instante, o tornado ressurgiu no céu, mais forte e impiedoso
que antes. Agora, um majestoso furacão imperava ao seu comando.
Outono se colocou
entre o furacão e a carruagem e, como se tentasse frear duas forças extremas,
respirou fundo e, enquanto bloqueava o vento edaz, impeliu o coche com toda a
força que tinha em si para o lado oposto. Sentiu uma dor profunda. Foi alvejado
por lâminas de gelo e pedras de granizo chicotearam o seu corpo. Tentou
respirar, mas não conseguia. Sentiu as mãos de Caos em seu pescoço, tentou
libertar-se, mas o deus não estava ali, apenas sua vontade.
Do carro que flutuava no
céu, Primavera e Lilith sentiram a pressão do poder de Outono os empurrarem
para longe. A porta bateu e trancou a bruxa do lado de dentro e Primavera
segurou as rédeas, tentando não perder o controle dos cavalos. “Outono!
Outono!”, pensou desesperado. Olhou para traz e apenas viu o corpo do irmão despencar,
sem qualquer resistência, em direção ao chão.